Bom-senso:
- Etenim ad aegros non vates aut hariolos, sed medicos solemus
adducere;
De facto à cabeceira dos pacientes
de costume levamos médicos, e não curandeiros ou
adivinhos;
Sejamos modernos,
puxa!:
- Haec iam, mihi crede, ne aniculae quidem existimans. (II, 36)
Nestas coisas, crê-me, não
acreditam mais nem as velhinhas ...
Ainda riem:
- Vetus autem illud Catonis admodum scitum est, qui mirari se
aiebat, quod non rideret haruspex, haruspicem cum vidisset. (II, 51)
É muito conhecido então
o velho dito de Catão, que dizia-se surpreendido que quando
dois arúspices (adivinhos) encontravam-se não rebentassem
de riso.
Se desejas cre-lo
...:
- Iam vero coniectura omnis, in qua nititur divinatio, ingeniis
hominum in multas aut diversas aut etiam contrarias partis saepe
diducitur. Ut enim in causis iudicialibus alia coniectura est
accusatoris, alia defensoris et tamen utriusque credibilis, sic
in omnibus iis rebus quae coniectura investigari videntur anceps
reperitur oratio. (II,
55)
Na realidade cada uma das previsões
nas quais baseia-se a divinhação, frequentemente
é arrastada pelos cabelos pelo espírito humano em
muitas direcções diferentes e mesmo opostas. Na
verdade, como nos processos em tribunal o querelante defende uma
tese e o acusado uma outra, e ambas ficam sendo verosímeis,
assim em todas as coisas que parecem precisar de ser investigadas
com previsões, encontram-se afirmações ambíguas.
A virgem chora:
- Sanguine pluisse senatui nuntiatum est, Atratum etiam fluvium
fluxisse sanguine, deorum sudasse simulacra. (...) Nec enim sanguis
nec sudor nisi e corpore. Sed et decolaratio quaedam ex aliqua
contagione terrena maxume potest sanguini similis esse, et umor
adlapsus extrinsecus, ut in tectoriis videmus austro, sudorem
videtur imitari. (II,
58)
Foi anunciado em Senado que tinha
chovido sangue, e mesmo que no rio Atrato corria sangue e que
as estátuas dos deuses tivessem suado. (...) Mas nem sangue
nem suor sai se não dum corpo. Mas a mudança da
cor pelo contacto com a terra pode facilmente ser semelhante ao
sangue e a humidade infiltrada do exterior, que vemos nos rebocos
expostos à Sul, parece imitar o suor.
"Pois, se todos
acreditam-no! ... ":
- "At omnes reges, populi, nationes utuntur auspiciis."
Quasi vero quicquam sit tam valde quam nihil sapere vulgare, aut
quasi tibi ipsi in iudicando placeat multitudo! (II, 81)
(Tu dizes) que todos os reis, os
povos, as nações acreditam nas previsões,
como se havia outra coisa tão comum como a ignorância,
e como se mesmo nos teus julgamentos levasses em conta a opinião
da multidão.
Melhor que Nostradamus?:
- De quibus Eudoxus, Platonis auditor, in astrologia iudicio doctissimorum
hominum facile princeps, sic opinatur, id quod scriptum reliquit,
Chaldaeis in praedictione et in notatione cuiusque vitae ex natali
die minime esse credendum. (II, 87)
O célebre Eudoxo, discípulo
de Platão, considerado de longe o mais grande dos astrónomos,
para julgamento dos homens mais doutos, estima, e esto pode-se
encontrar ainda escrevido, que não deve-se de forma alguma
acreditar nos astrólogos a propósito da previsão
e da descrição da vida de cada um baseadas no dia
de nascimento.
Horóscopos:
- Quid? quod uno et eodem temporis puncto nati dissimilis et naturas
et vitas et casus habent, parumne declarat nihil ad agendam vitam
nascendi tempus pertinere? Nisi forte putamus neminem eodem temporem
ipso et conceptum et natum, quo Africanum. Num quis igitur talis
fuit? (II,
95)
Ainda? Levando em conta que os que
nasceram no mesmo idêntico momento têm natureza, vidas
e vicissitudes diferentes, talvez isto não significa que
o momento do nascimento não tem nada a ver com o que acontece
na vida? A menos de não pensar que ninguém foi concebido
ou nasceu no mesmo momento de Cipião Africano. Quem com
efeito foi nunca à sua altura?
A questão
é fechada:
- Sed quid plura? Cotidie refelluntur. Quam multa ego Pompeio,
quam multa Crasso, quam multa huic ipsi Caesari a Chaldaeis dicta
memini, neminem eorum nisi senectute, nisi domi, nisi cum claritate
esse moriturum! Ut mihi permirum videatur quemquam exstare qui
etiam nunc credat iis quorum praedicta cotidie videat re et eventis
refelli. (II,
99)
Pois é necessário dizer
mais? Cada dia (as profecias) são desmentidas. Lembro muitas
delas, feitas pelos astrólogos a Pompeu, muitas outras
a Crasso, e muitas a César mesmo ninguém deles teria
tido que morrer se não por velhice, se não na sua
cama, se não coberto de glória. De modo que parece-me
muito estranho que haja ainda alguém que acredite nestas
pessoas, cujas previsões vêem-se cada dia desmentidas
pelos factos e pelos acontecimentos.
Selecção
dos resultados:
- Adsumit autem Cratippus hoc modo: "Sunt autem innumerabiles
praesensiones non fortuitae". At ego dico nullam (...) Quid
est perspicuum? "Multa vera" inquit "evadere".
Quid quod multo plura falsa? Nonne ipsa varietas, quae est propria
fortunae, fortunam esse causam, non naturam esse docet? (II, 109)
Cratipo afirma com efeito: "há
inumeráveis presságios não casuais".
E eu digo que não há nenhum (...) O que há
de evidente? "Muitos presságios realizam-se".
E aqueles, muito mais numerosos, que resultam falsos? E mesmo
esta variabilidade, que é típica do acaso, não
diz-nos talvez que são causados pelo acaso e não
pela natureza?
Velho truque:
- Callide enim, qui illa composuit, perfecit ut, quodcumque accidisset,
praedicturum videretur, hominum et temporum definitione sublata.
Adhibuit etiam latebram obscuritatis, ut iidem versus alias in
aliam rem posse accommodari viderentur. (II, 110-111)
Quem compôs (esta profecia)
fê-lo habilmente de modo que, descuidando de especificar
as pessoas e os tempos, qualquer coisa acontecesse, parecia satisfazer
a previsão. Ele empregou mesmo o subterfúgio da
obscuridade dos termos, de modo que pudessem-se adaptar à
um ou outro acontecimento, segundo as circunstâncias.
Cálculo
de probabilidades:
- Iam ex insanorum aut ebriorum visis innumerabilia coniectura
trahi possumus, quae futura videantur. Quis est enim, qui totum
diem iaculans non aliquando conliniet? Totas noctes somniamus,
neque ulla est fere, qua non dormiamus; et miramur aliquando id
quod somniarimus evadere? Quid est tam incertum quam talorum iactus?
Tamen nemo est quin saepe iactans Venerium iaciat aliquando, non
numquam etiam iterum ac tertium. (II, 121)
Certamente dàs visões
dos loucos e dos beberrões podemos tirar previsões
que podem realizar-se no futuro. Quem, de facto, tirando com o
arco todo o dia não atingirá algumas vezes o alvo?
Sonhamos todas as noites e não há quase uma noite
em que não dormimos, e surpreendemos-nos se algumas vezes
o que sonhamos realiza-se? O que há de mais incierto que
o jogo dos dados? Contudo não há ninguém
que lançando amiúde os dados não logre o
"tiro de Vénus" pelo menos de tempos a tempos,
e mesmo duas ou três vezes.
- Nunc illa testabor, non me sortilegos neque eos, qui quaestus causa hariolentur, ne psychomantia quidem (...) agnoscere; non habeo denique nauci Marsum augurem, non vicanos haruspices, non de circo astrologos, non Isiacos coniectores, non interpretes somniorum; non enim sunt ii aut scientia aut arte divini, sed
Agora declararei não reconhecer
os que prevêem o destino, nem os que lêem a sorte,
nem os que fazem profecias por dinheiro, nem os que evocam os
mortos; (...) e eu não estimo a ponta dum corno os Áugures
do povo dos Marsos, nem os Arúspices da estrada, os astrólogos
do circo, os adivinhos de Ísis, os intérpretes de
sonhos; de facto eles não são adivinhos por ciência
ou por arte, mas são:
"profetas supersticiosos e adivinhos descarados,
incapazes ou loucos ou empurrados pela pobreza, que não
são capazes de ir pelo seu caminho e mostram a estrada
aos outros; que pedem cêntimos aos mesmos aos quais prometem
tesouros: bom, que tomem os cêntimos destes tesouros e restituam
o resto!"
Assim dizia o famoso Ennio...
- Etenim ad aegros non vates aut hariolos, sed medicos solemus adducere; nec vero qui fidibus aut tibiisuti volunt ab haruspicibus accipiunt earum tractationem, sed a musicis. 10 Eadem in litteris ratio est reliquisque rebus, quarum est disciplina. Num censes eos, qui divinare dicuntur, posse respondere, sol maiorne quam terra sit an tantus quantus videatur, lunaque suo lumine an solis utatur? sol, luna quem motum habeat? quem quinque stellae, quae errare dicuntur? Nec haec qui divini habentur profitentur se esse dicturos, nec eorum, quae in geometria describuntur, quae vera, quae falsa sint: sunt enim ea mathematicorum, non hariolorum. De illis vero rebus quae in philosophia versantur, num quid est quod quisquam divinorum aut respondere soleat aut consuli quid bonum sit, quid malum, quid neutrum? Sunt enim haec propria philosophorum. 11 Quid? de officio num quis haruspicem consulit quem ad modum sit cum parentibus, cum fratribus, cum amicis vivendum, quem ad modum utendum pecunia, quem ad modum honore, quem ad modum imperio? Ad sapientes haec, non ad divinos referri solent. Quid? quae a dialecticis aut physicis tractantur, num quid eorum divinari potest, unusne mundus sit an plures, quae sint initia rerum, ex quibus nascuntur omnia? Physicorum est ista prudentia (...) Quid? cum quaeritur qui sit optimus rei publicae status, quae leges, qui mores aut utiles aut inutiles, haruspicesne ex Etruria arcessentur, an principes statuent et delecti viri periti rerum civilium? 12 Quodsi nec earum rerum, quae subiectae sensibus sunt, ulla divinatio est nec earum, quae artibus continentur, nec earum, quae in philosophia disserentur, nec earum, quae in re publica versantur, quarum rerum sit nihil prorsum intellego. Nam aut omnium debet esse, aut aliqua ei materia danda est in qua versari possit. Sed nec omnium divinatio est, ut ratio docuit, nec locus nec materia invenitur, cui divinationem praeficere possimus. Vide igitur, ne nulla sit divinatio. Est quidam Graecus vulgaris in hanc sententiam versus: "Bene quí coniciet, vátem hunc perhibebo óptumum." Num igitur aut, quae tempestas impendeat, vates melius coniciet quam gubernator, aut morbi naturam acutius quam medicus, aut belli administrationem prudentius quam imperator coniectura adsequetur. (II, 9-12)
De facto à cabeceira dos pacientes de costume levamos
médicos, e não curandeiros ou adivinhos; e na verdade
quem deseja aprender tocar a cítara ou a flauta aprenderá-o
por músicos antes que por arúspices. 10 A
mesma coisa no campo das artes e das outras matérias que
são ensinadas. E talvez crês que os que são
chamados adivinhos podem responder quando perguntam-lhe se o sol
é mais grande da terra ou é grande como aparece?
Ou se a lua brilha de luz propria ou se toma a sua luz pelo sol?
o sobre qual seja o movimento do sol e a lua? ou sobre qual seja
o movimento das cinco estrelas que são chamadas errantes?
E os que são considerados adivinhos não afirmam
saber responder nem sobre estas coisas, nem sobre quais das definições
da geometria sejam verdadeiras e quais falsas: na realidade estas
são coisas para matemáticos, não para curandeiros.
E sobre as perguntas que referem-se à filosofia, há
talvez umas àqueles alguém dos adivinhos responda
ou seja consultado sobre o que é bem, o que é mal
e o que é neutro? Na realidade estas são coisas
de competência dos filósofos. 11 Ainda?
Quem consulta um Arúspice sobre como realizar uma tarefa,
sobre como viver bem com os pais, os irmãos ou os amigos,
sobre como empregar o dinheiro, sobre como gerir uma carga política
ou militar? Para estas coisas dirige-se aos sábios, e não
aos adivinhos. Outras coisas mais? Sobre às matérias
tratadas pelos diáleticos ou pelos naturalistas, quem dos
adivinhos sabe dizer se há só um mundo ou se há
muitos, e quais sejam os princípios dos quais tomam origem
todas as coisas? Isto é de competência dos físicos
(...) Ainda mais? Quando perguntamos qual seja a melhor organização
do Estado, e quais leis e quais costumes sejam úteis ou
inúteis, envia-se talvez chamar os Arúspices da
Etrúria , ou deixamos decidir aos notáveis e aos
melhores estadistas? 12 Porque
se não há nenhuma capacidade de prever as coisas
percibidas pelos sentidos, nem aquelas fundadas sobre uma ciência,
nem as que discutem-se na filosofia, nem as que são tratadas
pela política, de verdade não compreendo de que
se ocupe a divinação. De fato, tem que tratar de
todos argumentos ou debe-se dar-lhe certo campo daquele possa
tratar. Mas a divinação nem ocupa-se de todos argumentos,
como o raciocínio demonstrou-nos, nem encontrou-se um campo
ou uma matéria que atribuir à divinação.
Então podes julgar se por acaso a divinação
não exista de maneira alguma. Há um comum provérbio
grego que diz: "O que prediz bem, citarei-o como o melhor
adivinho". Por isso o adivinho preverá a chegada da
tempestade melhor que o timoneiro, ou a natureza da doença
com mais acuidade do médico, ou fará conjecturas
sobre como dirigir a guerra melhor que o comandante?
Qual é o
teu signo do Zodíaco?:
89 Sic isti disputant qui haec Chaldaeorum
natalicia predicta defendunt: vim quandam esse aiunt signifero
in orbe, qui Graece
zwdiakóV dicitur,
talem ut eius orbis una quaeque pars alia alio modo moveat immutetque
caelum, perinde ut quaeque stellae in his finitumisque partibus
sint quoque tempore, eamque vim varie moveri ab iis sideribus
quae vocentur errantia; cum autem in eam ipsam partem orbis venerint,
in qua sit ortus eius qui nascatur, aut in eam quae coniunctum
aliquid habeat aut consentiens, ea triangula illi et quadrata
nominant. Etenimcum tempore anni tempestatumque caeli conversiones
commutationesque tantae fiant accessu stellarum et recessu, cumque
ea vi solis efficiantur quae videmus, non veri simile solum, sed
etiam verum esse censent, perinde utcumque temperatus sit aër,
ita pueros orientis animari atque formari, ex eoque ingenia, mores,
animum, corpus, actionem vitae, casus cuiusque eventusque fingi.
89 Os que
defendem as previsões dos Caldeus baseadas no dia do nascimento
asseguram que no círculo estrelado, que os gregos chamam
Zodíaco, aja uma força feita de modo que, eles dizem,
cada parte do mesmo círculo mova e mude o céu de
maneiras diferentes, segundo quais estrelas fiquem naquela parte
naquele momento; a mesma força é modificada pelas
estrelas que são chamadas errantes; quando as estrelas
chegam naquela parte do céu debaixo da qual nasceu uma
criança, ou em outra que tenha algo de semelhante ou concordante
com ela, chamam estas figuras triângulos e quadrados. De
facto, pois que com a mudança das estações
e das condições meteorológicas durante o
ano, acontecem tantas mutações e alterações
pela aproximação e o afastamento das estrelas, e
pois que estas mudanças são provocadas pela acção
do sol, eles retêm não somente plausível,
mas mesmo verdadeiro o fato que, segundo como o ar está
regulado, às crianças que nascem seja dado um temperamento
e uma constituição, e que destes sejam formadas
as qualidades, o carácter, o físico, os factos da
vida, os casos e os acontecimentos de cada um.
90 O delirationem
incredibilem! (Non enim omnia error stultitia dicenda est). Quibus
etiam Diogenes Stoicus concedit aliquid, ut praedicere possint
dumtaxat qualis quisque natura et ad quam quisque maxume rem aptus
futurus sit; cetera quae profiteantur negat ullo modo posse sciri;
etenim geminorum formas esse similis, vitam atque fortunam plerumque
disparem. Procles et Eurysthenes, Lacedaemoniorum reges, gemini
fratres fuerunt; at ii nec totidem annos vixerunt (anno enim Procli
vita brevior fuit), multumque is fratri rerum gestarum gloria
praestitit. (...)
90 Oh delírio increivel! (de facto não sempre os erros podem-se chamar tolices). A eles também Diógenes o estóico concede algo, ou seja que eles possam predizer de cada um apenas o caráter e a atividade naquele será mais apto, e nega que de qualquer maneira possam saber as outras coisas que afirmam conhecer: com efeito os gémeos têm um aspecto semelhante, mas vidas e destinos em geral diferentes. Procles e Eurístenes, reis de Esparta, eram gémeos, mas não viveram o mesmo número de anos, pois que Procles morreu um ano antes e teve dos seus feitos muita mais glória do que seu irmão.
91 Etenim cum, ut ipsi dicunt, ortus nascentium luna moderetur, eaque animadevertant et notent sidera natalicia Chaldaei, quaecumque lunae iuncta videantur, oculorum fallacissimo sensu iudicant ea quae ratione atque animo videre debebant. Docet enim ratio mathematicorum, quam istis notam esse oportebat, quanta humilitate luna feratur terram paene contingens, quantum absit a proxuma Mercuri stella, multo autemlongius a Veneris, deinde alio intervallo distet a sole, cuius lumine conlustrari putatur; reliqua vero tria intervalla infinita et immensa, a sole ad Martis, inde ad Iovis, ab eo ad Saturni stellam; inde ad caelum ipsum, quod extremum atque ultumum mundi est.
91 Contudo eu nego que possa-se conhecer o que o excelente
Diógenes concede aos astrólogos, como para certo
conluio com eles. Na verdade, pois que, como dizem, a lua influencia
o nascimento das crianças, e eles observam e anotam ao
nacimiento as estrelas que parecem em conjunção
com a lua, o que deveriam ver com a razão e com o espírito,
julgam-no pelo contrario com o mais enganoso sentido da vista.
Na realidade a ciência dos matemáticos, que eles
teriam que conhecer, ensina que a Lua passa à curta distância
da terra, até que quase toca-a, e ensina quanto seja longe
de Mercúrio, a estrela mais próxima, e mesmo mais
de Vénus, e que outro intervalo separa-o do Sol, de cuya
luz se reputa que seja iluminada; os outros três intervalos
são realmente infinitos e imensos: do Sol até Marte
pois até Júpiter, de Júpiter até a
estrela Saturno e então até à mesma abóbada
do céu, que é a fronteira extrema e última
do Universo.
92 Quae
potest igitur contagio ex infinito paene intervallo pertinere
ad lunam vel potius ad terram?
Quid? Cum dicunt, id quod iis dicere necesse est, omnis omnium
ortus quicumque gignantur in omni terra quae incolatur, eosdem
esse, eademque omnibus qui eodem statu caeli et stellarum nati
sint accidere necesse est, nonne eius modi sunt, ut ne caeli quidem
naturam interpretes istos caeli nosse appareat? Cum enim illi
orbes, qui caelum quasi medium dividunt et aspectum nostrum definiunt
(qui a Graecis órìzonteV
nominantur, a nobis
"finientes" rectissume nominari possunt) varietatem
maxumam habeant aliique in aliis locis sint, necesse est ortus
occasusque siderum non fieri eodem tempore apud omnis.
92 Que
influência pode por conseguinte ser exercida dum intervalo
quase infinito para a Lua mais que para a terra?
Que mais? Quando dizem, e devem dizê-lo necessariamente,
que todos os nascimentos de todos os que são gerados em
cada país habitado são os mesmos, e que aos que
nasceram debaixo da mesma situação de céu
e de estrelas devem acontecer necessariamente as mesmas coisas,
não mostram talvez de não conhecer a mesma natureza
do céu, da qual deveriam ser os intérpretes? De
facto, dado que estes círculos que dividem o céu
mais ou menos à metade e delimitam a nosso vista (que os
gregos chamam "orizontes", e que nós podemos
mais correctamente chamar "delimitantes") têm
a mais grande variedade e são diferentes nos diferentes
lugares, segue-se que o nascer e o pôr das estrelas não
ocorra no mesmo tempo em todos os lugares.
93 Quodsi eorum vi caelum modo hoc, modo illo modo temperatur, qui potest eadem vis esse nascentium, cum caeli tanta sit dissimilitudo? In his locis quae nos incolimus post solstitium Canicula exoritur, et quidem aliquot diebus; at apu d Trogodytas, ut scribitur, ante solstitium; ut, si iam concedamus aliquid vim caelestem ad eos qui in terra gignuntur pertinere, confitendum sit illis eos qui nascuntur eodem tempore posse in dissimilis incidere naturas propter caeli dissimilitudinem; quod minime illis placet; volunt enim illi omnis eodem tempore ortos, qui ubiquesint nati, eadem condicione nasci.
93 E se pela sua influência o céu for regulado numa ou na outra maneira, como pode ter uma igual influência sobre os que nascem, se no céu há uma tal diferença? Nos lugares onde moramos, Sírio nasce depois do solstício de verão, ou mesmo uns vários dias depois, enquanto entre os Trogloditas, como pode-se ler, nasce antes do solstício; por isso, se mesmo concedimos que alguma influência celestial aja sobre os que são gerados na terra, é preciso admitir que os que nascem no mesmo período podem ter naturezas diferentes por causa das diversidades do céu, mas os astrólogos esto não admitem-o de maneira alguma: de facto eles afirmam que todos os que nasceram no mesmo período, seja onde for tenham nascido, nasceram nas mesmas condições.
94 Sed quae
tanta dementia est, ut in maxumis motibus mutationibusque caeli
nihil intersit qui ventus, qui imber, quae tempestas ubisque sit?
Quarum rerum in proxumis locis tantae dissimilitudines saepe sunt,
ut alia Tusculi, alia Romae eveniat saepe tempestas; quod qui
navigant maxume animadvertunt, cum in flectendis promunturiis
ventorum mutationes maxumas saepe sentiunt. Haec igitur cum sit
tum serenitas, tum perturbatio caeli, estne sanorum hominum hoc
ad nascentium ortus pertinere non dicere (quod non certe pertinet),
illud nescio quid tenue, quod sentiri nullo modo, intellegi autem
vix potest, quae a luna ceterisque sideribus caeli temperatio
fiat, dicere ad puerorum ortus pertinere?
Quid? Quod non intellegunt seminum vim, quae ad gignendum procreandumque
plurimum valeat, funditus tolli, mediocris erroris est? Quid enim
non videt et formas et mores et plerosque status ac motus effingere
a parentibus liberos? Quod non contingeret, si haec non vis et
natura gignentium efficeret, sed temperatio lunae caelique moderatio.
94 Mas que loucura é esta, pela qual sobre
os grandes movimentos e mutações do céu não
pesam para nada o vento, a chuva, as estações de
cada lugar? Estes factores frequentemente são mesmo muito
diferentes entre lugares vizinhos, de modo que frequentemente
as condições do tempo em Túscolo sejam amiúde
diferentes daquelas em Roma; os marinheiros dão-se conta
muito bem deste facto quando, dobrando um cabo, notam frequentemente
os grandes mudanças do vento.
Por isso, pois que o céu é às vezes sereno,
às vezes tempestuoso, tem talvez juízo perfeito
o que diz que esto influencie o nascimento das crianças
(e em efeitos não influencia), enquanto afirma que o nascimento
seja influenciado por algo de fraco, que de maneira alguma pode-se
perceber, e apenas pode ser sentido, ou seja que haja um acondicionamento
da lua e das outras estrelas? Que mais? Quem não compreende
que não é um erro de nada descuidar completamente
a importância dos ascendentes, que têm um peso fundamental
na geração e na procriação? De facto,
quem não dá-se conta que os filhos tomam dos pais
o aspecto e o carácter, e a parte maior das aptidões
do corpo, quer em movimento, quer em descanso? Esto não
aconteceria se fossem a influência da lua e a composição
do céu, antes que a influência e o temperamento de
quem gera.
95 Quid? quod uno et eodem temporis puncto nati dissimilis et naturas et vitas et casus habent, parumne declarat nihil ad agendam vitam nascendi tempus pertinere? Nisi forte putamus neminem eodem temporem ipso et conceptum et natum, quo Africanum. Num quis igitur talis fuit?
95 Ainda? Levando em conta que os que nasceram no mesmo idêntico momento têm natureza, vidas e vicissitudes diferentes, talvez isto não significa que o momento do nascimento não tem nada a ver com o que acontece na vida? A menos de não pensar que ninguém foi concebido ou nasceu no mesmo momento de Cipião Africano. Quem com efeito foi nunca à sua altura?
96 Quid? Illudne dubium est quin multi, cum ita nati essent ut quaedam contra naturam depravata haberent, restituerentur et corrigerentur ab Natura, cum se ipsa revocasset, aut arte atque medicina? Ut, quorum linguae sic inhaererent, ut loqui non possent, eae scalpello resectae liberarentur. Multi etiam naturae vitium meditatione atque exercitatione sustulerunt, ut Demosthenem scribit Phalereus, cum rho dicere nequiret, exercitatione fecisse ut planissume diceret. Quodsi haec astro ingenerata et tradita essent, nulla res ea mutare posset. Quid? Dissimilitudo locorum nonne dissimiles homines procreationem habet? Quas quidem percurrere oratione facile est, quid inter Indos et persas, Aethiopas et Syros differat corporibus, animis, ut incredibilis varietas dissimilitudoque sit.
96 Ainda mais? Há talvez dúvidas que muitos, que nasceram com defeitos e anomalias físicas, tenham sido reabilitados ou corrigidos pela Natureza, que emendou si própria, ou pela cirurgia o a medicina? Como os que tinham a língua aderente ao palato, tão que não podiam falar, e foram liberados pelo corte do cirurgião? E vários corrigiram um defeito de natureza com a meditação e o exercício, como Falereo escreve de Demóstenes, que não conseguia pronunciar o erre, e tão exercitou-se até que conseguiu pronunciá-la muito bem. Se todos estos defeitos forem provocados e transmitidos pelos astros, nada teria podido corrigir-os. Que mais? Lugares diferentes não geram talvez homens diferentes? Disto é fácil fazer exemplos, dizendo de cómo difiram e variem incrivelmente os Indianos dos Persas e os Etíopes dos Sírios, quer pelo aspecto quer pelo carácter.
97 Ex quo intellegitur plus terrarum situs quam lunae tactus ad nascendum valere. Nam quod aiunt quadringenta septuaginta milia annorum in periclitandis experiundisque pueris, quicumque essent nati, Babylonios posuisse fallunt: si enim esset factitatum, non esset desitum; neminem autem habemus auctorem, qui id aut fieri dicat aut factum sciat.(...) Ego autem etiam haec requiro, omnesne, qui Cannensi pugna ceciderint, uno astro fuerint; exitus quidem omnium unus et idem fuit. Quid? Qui ingenio atque animo singulares, num astro quoque uno? Quod enim tempus quo non innumerabiles nascuntur? At certe similis nemo Homeri.
97 Disso compreende-se que sobre o nascimento tem mais influência o lugar de terra que o influxo da lua. De facto enganam-se os que dizem que os Babilônicos puseram-se por 470.000 anos a provar e experimentar as crianças, qualquer que seja o momento em que tivessem nascido: de facto, se realmente tivessem feito estas contas muitas vezes, não teriam acabado faze-lo; por outro lado não há nenhum autor que diga-nos que isto realmente aconteceu ou que conheça o facto. (...) Mas então interrogo-me se todos os que morreram na batalha de Canas tivessem nascido sob a mesma estrela, tendo em conta que o destino foi para todos o mesmo. Que mais? Os que são excepcionais pelo talento e pelo espírito, nasceram talvez sob a mesma estrela? Talvez nesse período não nascem inumeráveis crianças? Contudo ninguèm foi nunca comparável com Homero.
98 Et, si ad rem pertinet quo modo caelo adfecto compositisque sideribus quodque animal oriatur, valeat id necesse est non in hominibus solum, verum in bestiis etiam; quo quid potest dici absurdius? L. quidem Tarutius Firmanus, familiaris noster, in primis Chaldaeicis rationibus eruditus, urbis etiam nostrae natalem diem repetebat ab iis Parilibus, quibus eam a Romulo conditam accepimus, Romamque, in iugo cum esset luna, natam esse dicebat, nec eius fata canere dubitabat. 99 O vim maxumam erroris! Etiamne urbis natalis dies ad vim stellarum et lunae pertineret? Fac in puero referre ex qua adfectione caeli primum spiritum duxerit; num hoc in latere aut in caemento, ex quibus urbs effecta est, potuit valere? (II, 89-99)
98 Mas se é importante como arranja-se o céu e como sejam dispostas as estrelas quando nasce um ser vivo, é necessário que isto seja válido não somente para os homens, mas mesmo para os animais: mas como poderia-se dizer uma coisa tão absurda? Lúcio Tarúcio de Fermo, nosso amigo muito caro, excelente conhecedor da astrologia, reconduzia o dia de nascimento da nossa cidade às festas Palilias, durante as quais pensamos que ela foi fundada por Rômulo, e disse que Roma foi fundada enquanto a Lua estava na Libra, e não hesitava a cantar os seus destinos. 99 Oh, potência enorme do erro! Mesmo o dia de nascimento duma cidade é influenciado pelas estrelas e pela Lua? Mesmo admitindo que para uma criança possa contar sob qual conformação do céu tirou a sua primeira respiração, como pode isto valer para as pedras ou o cemento dos quais é feita uma cidade?